Carla Cristina dos Santos de Jesus
Comunicação é poder e as rádios Comunitárias atuam como possibilidade para apropriação coletiva deste veículo de informação. Assim, Rádios Comunitárias são armas a serviço dos grupos socialmente marginalizados, ou seja, das “minorias” (minorias enquanto representação política e não enquanto quantidade). Estas minorias são as que historicamente estiveram excluídas do pleno exercício da cidadania.
A Constituição afirma que somos iguais perante a lei, porém, sabemos que as relações sociais se configuram de outra forma; assim o direito e as oportunidades não se dão de formas igualitárias, sendo que a mídia é mais um espaço de perpetuação destas desigualdades. Segundo Marílena Chauí, vivemos uma democracia somente enquanto regime político-institucional, pois o voto não garante participação nas decisões políticas. Assim a autora (CHAUÍ, 1997, p.148) diz que a democracia ao se restringir a esta esfera acaba sendo reduzida a uma discussão que se concentra, em última instância, nas transformações do aparelho do Estado, isto é, discutida “pelo alto” e com as lentes dos dominantes.
As rádios comunitárias passam por momentos de perseguição e a cada dia vêm sendo alvo de ações da polícia. Para funcionar, estas rádios precisam ter autorização do Ministério das Comunicações, através da Anatel-Agência Nacional de Telecomunicações. Porém, as barreiras burocráticas forjadas por interesses políticos são inúmeras, fazendo com que milhares de rádio no Brasil funcionem na “ilegalidade”. Uma das justificativas usadas para a não concessão de mais emissoras comunitárias são as especulações de que estas rádios são responsáveis pela crise aérea no país, o que vem colocando-as ainda mais em estado de criminalidade.
Desta forma, as comunicações continuam sendo regidas pelos latifundiários que se aliam a setores representativos para a manutenção dos seus privilégios históricos. Nesta lógica, é possível entender os motivos pelos quais vira caso de polícia a população querer ser agente no uso dos meios de comunicação! “Traficar” informações de interesse das comunidades se configura como uma ameaça para uma minoria que sempre esteve no poder. É possível entender o grau de periculosidade de um meio de comunicação que se dispõe a veicular interesses coletivos.
Segundo (Ortriwano, 1985, p.17) Getúlio Vargas foi o primeiro governante brasileiro a ver no rádio grande importância política, utilizando-o dentro do modelo autoritário. Ao mesmo tempo que houve significativo desenvolvimento da radiodifusão no país, sofria-se rigoroso controle do governo Vargas (1930-1945), sendo o rádio um instrumentos para a promoção dos novos valores que o Estado Novo queria inculcar na população. Atualmente, a censura e o controle das informações se dá de outra forma, as rádios comercias detêm o controle das informações e vêm nas rádios comunitárias uma ameaças a seus monopólios.
A verdadeira democracia perpassa pelo acesso e posse da população aos meios de comunicação, começando pelos alternativos. Assim, os “sem mídia”, os que não estão contemplados com a norma posta, irão de baixo para cima reivindicar e implantar uma nova ordem, exigindo dos poderes públicos uma reforma agrária das comunicações. Segundo Dioclécio Luz, o primeiro lugar onde irá acontecer essa revolução será na mídia rádio. O jornalista articulador do movimento de rádios comunitárias afirma, em seu texto A nova Estética, que:
Depois de 500 anos de silêncio, o povo vai conhecer o som de sua voz. E será a primeira revolução. Porque irá perder o medo de se ouvir, de ouvir os iguais e os diferentes; de ser diferente. E todo mundo vai ouvir a voz rouca de Seu Amaro, que vende rapadura na feira, e de Dona Rosa, que ensina na escola da Prefeitura, e da velha Dona Maria, que entende tudo de doces caseiros, e de Toinho, que é borracheiro e tem opiniões sobre a cidade. Aqui não fala só doutor ou prefeito. Numa RC todos falam. Por isso a atividade é educativa. Sempre.(...) Daí um novo jeito de fazer rádio é preciso. Mas isto é problema. Porque depois de 80 anos escutando um só jeito o povo ainda está espantado com o que tem nas mãos. É fazer diferente ou não fazer. Mas como? Ora, o noticiário da RC pode ser não-linear, com intervenções populares. O vigia da obra vai opinar sobre transgênicos ou sobre as agressões de Israel ao Estado Palestino. Gente tem opinião. (LUZ, on line)
Desafios como conteúdo da programação, metodologia, hierarquias nas relações etc. estão postas para aqueles que começam a entender o poder da rádio e sua relevância para o debate e execução da democratização dos meios de comunicação; afirmado a cada dia que o direito a comunicação é de todo ser humano e não apenas dos poucos ricos. Apesar de muitas rádios se definirem enquanto comunitária, ainda atuam de acordo com interesses pessoais, sendo difusoras de ideologias dominantes, como, por exemplo, as que são ligadas à religião, sendo que a lei das rádios comunitárias nº 9.612/98 apontam, em seus artigos 4º e 11º, a proibição do proselitismo, isto é, a pregação, a catequese, a difusão de cultos. Diz também que a emissora não pode ser dominada ou ter relação subalterna com instituição religiosa. Mas o que se vê é que muitas igrejas católicas e evangélicas são proprietárias e gestoras de rádios comunitárias e muitas atuam com concessão da Anatel.
As comunidades têm muita coisa o que falar através das rádios comunitárias e as escolas tem muito o que “ouvir” delas para aprender a lição. A luta pelo Direito à Comunicação perpassa pela reivindicação do exercício pleno da cidadania. As rádios comunitárias são de extrema potencialidade para que os indivíduos se percebam enquanto detentores de conhecimentos e sujeitos históricos. As escolas deveriam fazer parcerias com as rádios comunitárias existentes em suas proximidades para assim incentivar o senso crítico de seus alunos para eles aprenderem a perceber a mídia como algo que faz parte de sua vida.
Assim, outras formas de conhecimentos serão valorizadas. O trabalho conjunto possibilita a aproximação entre escola e comunidade, além de estimular a “Cultura do ouvir” numa sociedade que centra a aprendizagem na visão, e possibilita também formas dinâmicas de aprendizagem que usa a musicalidade e uma linguagem própria para envolver as pessoas. A maior lição que as rádios comunitárias comprometidas podem dar é a resistência e a força para que diante de tantos percalços sua voz não seja calada, para que mesmo em baixa potência consigam gritar por um mundo realmente democrático.
REFERÊNCIAS
CHAUÍ, Marilena de SOUSA. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 7ª ed. São Paulo: CORTEZ, 1997.
ORTRIWANO, Gisele Swetlana. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo; Summus,1985.
LUZ, Dioclécio. A Nova Estética. In Trilha apaixonada e bem-humorada do que é e de como fazer rádios comunitárias, na intenção de mudar o mundo. S/d. Disponível em